Melhor amiga do homem
A capa do próximo álbum da Sabrina Carpenter abriu um dos debates mais interessantes do ano
Há umas duas semanas, a cantora americana Sabrina Carpenter anunciou a data de lançamento e a capa de seu novo álbum “Man’s Best Friend”. A imagem levantou uma discussão interessante, então estou aqui apenas para dar meu pitaco.
O debate se dividiu em dois times:
O primeiro defende que a imagem é machista e misógina, porque diminui a cantora a um objeto sexual e é, consequentemente, danosa para o movimento feminista.
O segundo defende que a imagem é uma crítica ou até uma sátira, levando em conta o tipo de música que ela produz.
O segundo time tem um ponto. Sabrina Carpenter é famosa por ter tomado as rédeas da sua própria sexualidade e por abordar o sexo como tema central de muitas das suas músicas de maneira explícita, mas com bom humor.
O primeiro time, no entanto, não está completamente equivocado. Para quem não conhece o trabalho da artista, tanto a capa quanto o título de seu próximo álbum podem causar uma impressão de submissão extrema.
Vamos, agora, para onde eu me encaixo.
Se vamos falar de feminismo, é justo admitir que Sabrina Carpenter tem feito muito pela liberdade de escolha e expressão da sexualidade feminina. Ela é um dos únicos nomes atuais (se não o único com o alcance e plataforma que tem) que brinca com a ideia da mulher “usar” o homem como o homem “usa” a mulher.
Dizer que mulheres gostam de transar, que uma mulher não é abominável por ver o sexo como algo prazeroso é praticamente revolucionário. E é isso que ela diz. Melhor: ela criou uma marca em cima disso.
A última artista que ousou defender essas questões tão fortemente foi Madonna, sobretudo nos anos 1990. E ainda arrisco dizer que Madonna foi muito mais controversa do que Sabrina tem sido, principalmente considerando a época.
Não sei se chamaria a capa de crítica, muito menos de sátira. Mas é completamente condizente com a carreira da cantora e não deveria ter surpreendido ninguém.
Acho que o que realmente tem incomodado as pessoas do primeiro time é que existem várias maneiras de fazer isso e, na cabeça delas, esse jeito não é o melhor.
Analisando friamente, uma mulher se comparar a um cachorro (que é o melhor amigo do homem), fazendo uma pose como a que a cantora faz na imagem, é realmente forte. Talvez até excessivo. E eu consigo entender porque alguns enxergam isso como uma mancha no movimento feminista.
Mas será que eles já consideraram que ela não quer falar em nome do feminismo?
Não existe a possibilidade do álbum ser dela, a carreira ser dela, a imagem ser dela, as músicas serem escritas por ela e… pronto?
Eu sei que disse que ela faz muito pela liberdade de escolha e expressão da sexualidade feminina, mas ela nunca falou que esse era seu objetivo. Ao contrário, a artista sempre deixou claro que o trabalho que faz é por ela e mais ninguém – e que o sexo faz parte de sua vida como qualquer outra coisa, por isso ele aparece tanto em suas músicas.
Pode parecer paradoxal, mas a maneira como o nosso trabalho é interpretado pelos outros não significa, necessariamente, que o fizemos com esse objetivo.
No início do ano, em uma entrevista à CNN, Sabrina disse:
“É engraçado que os que querem criticar não digam nada quando eu falo sobre autocuidado, positividade corporal ou desilusões amorosas, que são coisas normais pelas quais uma jovem de 25 anos passa. Eles só querem falar sobre o lado sexual das minhas apresentações.”
Se estivéssemos falando de uma cantora que tem como um de seus pilares a defesa do feminismo, a conversa seria outra. Mas não estamos.
Sabrina Carpenter é o tipo de artista que se destaca justamente porque não tem medo de causar esse tipo de discussão. Há mais de 10 anos na indústria de entretenimento hollywoodiana, ela sabia muito bem o que seu anúncio ia causar. Prova disso é que já tinha uma capa alternativa pronta, postada no início da última semana com a legenda “here's an alternate cover approved by God” (“aqui está uma capa alternativa aprovada por Deus”, em tradução livre).
Nada que ela (ou que qualquer ator, atriz, cantor, cantora) faz é solto, desconectado ou em vão. Agora todo mundo – os que odiaram, os que amaram e os que apenas assistiram à discussão sobre a capa – quer ouvir “Man's Best Friend”. Esse era o objetivo.
E eu adorei. Sabe por quê?
Porque não importa se você se identifica com o primeiro ou com o segundo time. Esse é só e simplesmente um debate muito legal e importante de se ter.
Fico por aqui. Ainda tô pensando.
Que discussão interessante! Não sei com qual capa eu me sentiria mais a vontade. A primeira causa constrangimento mas escolher a capa aprovada por deus não deixa por menos. O desconforto é garantido. Não conheço a artista, não sei se é marketing, mas conseguiu chamar minha atenção. Fui buscar no Spotfy, faltam 53 dias para o lançamento!
Genial causar essa polêmica com tanta antecedência assim.
Eu tb adorei só por poder debater esse tema e por ler esse texto maravilhoso. Parabéns .